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PRETINHO

DA SERRINHA

Como cantor, compositor, multi-instrumentista ou produtor, ele leva seu brilho a todos os trabalhos dos quais participa

por_Kamille Viola do_Rio

Como cantor, compositor, multi-instrumentista ou produtor, ele leva seu brilho a todos os trabalhos dos quais participa

por_Kamille Viola do_Rio

O lançamento do elogiado disco “Xande Canta Caetano”, de Xande de Pilares, jogou luz sobre um outro lado de Pretinho da Serrinha. Reconhecido por seu talento como instrumentista e compositor, ele viu os holofotes se voltarem para sua habilidade como produtor e arranjador, tendo sido considerado um dos responsáveis pela qualidade do álbum. Não que a função seja novidade para ele: Pretinho foi quem produziu discos como “Amor e Música” (2018), de Maria Rita, ao lado da cantora, que ganhou um Grammy Latino, e “Negra Ópera” (2023), de Martinho da Vila, que ele assina com Celso Filho e Martinho Filho, e que concorre ao mesmo prêmio este ano.

Como compositor, ele tem parcerias com nomes como Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown, Marisa Monte, Pedro Baby, Capinan, Almir Guineto, Moacyr Luz, Ana Carolina e Xande de Pilares, entre outros, navegando por estilos musicais diferentes. E ainda inspirou uma canção do álbum mais recente de Caetano Veloso, “Meu Coco” (2021): foi a partir de um questionamento dele ao baiano sobre a ausência do gênero musical no disco que surgiu “Sem Samba Não Dá”.

“Agora todo mundo olhou, mas já venho produzindo há muito tempo. Os discos do Seu Jorge eu já fazia meio que a coprodução, desde o ‘América Brasil’ (2007). Também venho dirigindo muito show, fazendo banda-base de premiações. Estou nessa história já há um tempinho”, comenta o artista em entrevista à UBC.

Vivia batucando em caderno, parede. A música me abraçou desde muito cedo.

Pretinho da Serrinha

Entre seus trabalhos mais recentes, estão a direção musical do show “Meu Coco”, de Caetano Veloso, que ele assina ao lado do cantor e de Lucas Nunes, produtor do álbum de mesmo nome, e da edição mais recente do Prêmio da Música, para a qual também fez os arranjos, em noite em homenagem a Alcione.

O carioca também é diretor musical de “Aquele Abraço”, espetáculo musical que irá inaugurar a casa de shows Roxy, em Copacabana. O lugar, que irá funcionar no prédio do emblemático cinema, tem previsão de abertura para 2024. Pretinho também irá comandar uma nova roda de samba, na também carioca Arena Jockey, confirmada para acontecer durante três quintas seguidas em dezembro. Como instrumentista, atualmente integra as turnês “Meu Coco”, de Caetano, e “Portas”, de Marisa Monte. Tal como Midas, o rei grego que transformava em ouro tudo que tocava, Pretinho leva seu brilho a todos os trabalhos dos quais participa, seja em qual função for.

Nascido Ângelo Vitor Simplício da Silva, em 30 de agosto de 1978, ele cresceu no Morro da Serrinha, tradicional reduto do samba carioca — é de lá o Império Serrano, uma das mais tradicionais escolas do país. Seu destino junto à música foi traçado na maternidade: o apelido surgiu quando seus parentes foram direto de um baile visitar o recém-nascido, bêbados, e uma prima cantou “A Banda do Zé Pretinho”, sucesso de Jorge Ben Jor. O apelido pegou, e, mais tarde, o “Zé” foi abandonado. O complemento “da Serrinha” surgiu quando foi tocar com Dudu Nobre, que começou a chamá-lo por aquele que viria a se firmar como seu nome artístico.

Com Caetano Veloso, cujo show "Meu Coco" produziu: sintonia

Aos 10, já era diretor musical da escola de samba mirim Império do Futuro. Embora o pai tivesse uma roda de samba e o avô tocasse candongueiro, um tambor do jongo, sua aptidão surgiu antes de que ele soubesse desses dois fatos.

“Nunca gostei de fazer nada que criança fazia. Vivia batucando em caderno, parede. A música me abraçou desde muito cedo”, recorda. Ele avalia que a influência talvez tenha vindo de forma inconsciente, pelo ambiente no seu entorno. “Eu estava ouvindo tudo ali na Serrinha: era jongo, a escola de samba mirim Império do Futuro, o bloco da Pena Vermelha, roda de samba”, enumera.

Pretinho morava no mesmo beco da família de Roberto Bilisquete, figura lendária da Serrinha, em que todo mundo era músico: eles tinham a própria roda. “Cresci muito próximo deles, foram os primeiros caras com quem eu toquei”, recorda.

Também com dez anos fez sua primeira viagem profissional, a Joinville (SC). Se tornou conhecido no mundo do samba e entrou para a banda de Dudu Nobre. Por meio dele, que é primo de Seu Jorge, acabou conhecendo o artista e tocou com ele desde o primeiro disco solo, “Samba Esporte Fino” (2001), tendo feito participações marcantes como o cavaquinho em “Tive Razão” (de “Cru”, 2004). Mas foi “América Brasil” que trouxe a grande virada na carreira de Pretinho.

No álbum, ele figura entre os autores de “Burguesinha” (com Seu Jorge e Gabriel Moura) e “Mina do Condomínio” (com Seu Jorge, Gabriel Moura e Pierre Aderne), que se tornaram grandes sucessos. Pretinho já tinha diversas composições, a maioria ao lado de Leandro Fab, seu parceiro mais frequente, mas eles estavam longe de estourar. Com o adiantamento de direitos autorais pelas faixas com Seu Jorge (e mais duas no álbum das quais é coautor), sua vida mudou, a ponto de conseguir quitar de uma vez o apartamento que havia financiado em trinta anos na Barra. “Foi o primeiro dinheiro que eu peguei e falei: ‘Caraca, vou viver disso!’”, lembra.

Com Seu Jorge, parceiro de longa data
Com Seu Jorge, parceiro de longa data
Com Seu Jorge, parceiro de longa data

Grande parte do público o descobriu a partir dali e, com o sucesso, Pretinho acabou trilhando uma inesperada carreira como cantor. “Porque eu chegava nos lugares, e as pessoas me pediam para cantar as minhas músicas. Falei: ‘Pô, agora não tem jeito’. É uma coisa que eu fui meio que forçado a fazer pelas composições, porque eu nunca tinha pensado em ser cantor. Queria mesmo era tocar meus instrumentos. Até hoje eu quero”, diverte-se o multi-instrumentista.

Mas ele acabou gostando da brincadeira e, com trinta anos de carreira, lançou seu primeiro disco solo, “Som de Madureira” (2018), com participações de Maria Rita, Lulu Santos, Black Alien e Quarteto em Cy. “Quando comecei a sair da Serrinha, conheci muita gente. Passei a me jogar mais, a gravar com todo mundo. Eu me misturo muito: um dia estou no trap, um dia eu estou na MPB, um dia estou na bossa nova, eu fico andando assim (risos). Mas sempre estou com o samba, meu negócio é espalhar o samba na galera, juntar o samba com todo mundo”, diz, explicando a diversidade de artistas no trabalho.

Para a jornalista musical Lorena Calábria, uma das características de Pretinho que mais impressionam é justamente sua versatilidade. “A genialidade dele está em como consegue ser tão criativo e inventivo com poucos recursos. No disco ‘Cru’, do Seu Jorge, ele foi para a serra sem saber como ia ser e não levou quase nada [de instrumentos]. E fez coisas como usar o galho de uma árvore para dar um efeito de vassourinha na percussão e desmembrar uma bateria e tocar o bumbo enrolado em um tecido como se fosse uma alfaia (tambor usado no maracatu)”, descreve ela.

A composição é, até hoje , sua principal fonte de renda. Mas ele também ama atuar como produtor e diretor musical , nos mais diversos estilos: sua próxima produção deve ser com Filipe Ret, ídolo do trap.

Pretinho atribui seu bom desempenho nas duas funções ao fato de ter muita experiência, já que foi diretor de bateria de escola de samba com apenas dez anos de idade. “Em bateria, você lidera 300. Tem que argumentar, fazer aquela política ali. Eu venho desde pequeno aprendendo a fazer isso, a ser o técnico, a escalar bem, a saber quem bota aqui, ali. E isso na produção faz muita diferença: você pode ter um grande artista, um repertório incrível, mas, se mexer nas peças erradas, se chamar a pessoa errada, você estraga isso tudo. É tipo um jogo de xadrez”, compara.

“Desde novo, eu tenho essa coisa da liderança. Não tem a ver com mandar, mas chegar num lugar e não me acomodar com o que estou vendo. Espero os mais velhos: nada aconteceu, eu pulo na frente. Vou no artista: ‘Será que a gente podia fazer isso aqui?’, ‘Dá pra mexer ali?’. Quando eu vejo, estou dominando tudo”, conta. “Se eu posso contribuir, dar a minha opinião, e eu acho que vai acrescentar no trabalho, eu faço”, descreve.

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Com Martinho da Vila, com quem trabalhou recentemente

Martinho da Vila, que trabalhou com ele em seu disco mais recente, exalta o talento desse filho de Madureira. “Pretinho da Serrinha é um músico muito virtuoso. Ele produziu, junto com o Celso Filho e o Martinho Antônio, o meu disco ‘Negra Ópera’, que as pessoas gostam muito, e é um dos meus discos que eu mais aprecio. Desejo ao Pretinho muita energia sempre, muita música na vida”, diz.

Parceira musical do artista em canções como “Feliz, Alegre e Forte”, Marisa Monte rasga elogios a ele: “Pretinho, além de ser um compositor e músico fenomenal, é um cara inspirador e exemplar. Tem bom gosto, sabe escalar o melhor time, o que faz dele um superdiretor musical e produtor. Ainda é ativista do bem e reboca muita gente no rastro de seu talento. Não é à toa que seu nome é Ângelo. Pretinho é anjo, voa e tem asas.”

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