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COMPOSITORES

QUE USAM IA

PEDEM COPYRIGHTS E DIREITO DE DISPUTAR PREMIAÇÕES

Pesquisas mostram adesão crescente de criadores musicais a ferramentas automatizadas, embora, por outro lado, muitos não considerem que esse tipo de obra seja arte

por_ Lucia Mota de_Dallas (EUA)

Pesquisas mostram adesão crescente de criadores musicais a ferramentas automatizadas, embora, por outro lado, muitos não considerem que esse tipo de obra seja arte

por_ Lucia Mota de_Dallas (EUA)

O debate sobre inteligência artificial e direitos autorais na música se consolidou e ganha novas frentes. Se, há uns meses, como abordamos aqui na Revista, a crítica às varreduras indiscriminadas de conteúdos pelas empresas criadoras dos chats de I.A. generativa estava no centro da questão, agora começam a aparecer desdobramentos mais sutis. Muitos compositores — talvez aceitando o inevitável? — vêm, de alguma forma, validando as ferramentas de criação automatizada, utilizando-as para elaborar trechos inteiros de suas canções. E esse contingente de criadores quer direitos autorais sobre essas obras “híbridas”, meio humanas e meio robóticas. Mais: eles querem também que essas músicas possam concorrer a prêmios.

Uma pesquisa publicada no início deste mês pela Teosto, a sociedade de gestão coletiva da Finlândia, mostrou que um terço dos compositores daquele país já utiliza ferramentas de I.A. generativa em seus trabalhos. Pesquisa da britânica PRS, de uns meses atrás, revelou um número similar: 29% dos compositores usando I.A. para criar música.

Desde ajudá-los a encontrar a rima certa para aquele trecho que teima em não sair a testar diferentes arranjos e inserir instrumentos virtualmente, esses softwares levantam muitas dúvidas sobre até que ponto, futuramente, a criação musical será um processo baseado unicamente no engenho humano.

O tema é complexo e levanta opiniões às vezes paradoxais: enquanto 70% dos compositores finlandeses afirmaram que pretendem testar algum tipo de ferramenta de criação por I.A., 33% disseram que trechos ou obras inteiras que contenham elaboração robótica não podem ser considerados arte.

Alguns dos comentários deixados pelos compositores nórdicos: "Sempre haverá uma audiência para a chamada música orgânica. As pessoas querem ouvir música ao vivo tocada por pessoas reais.” "Confio que a inteligência artificial continuará a produzir música desinteressante, então o dano não é grande do ponto de vista artístico.”

Será mesmo?

“Temos a convicção de que, num futuro próximo, a criação por I.A. generativa substituirá grande parte das composições 100% humanas numa infinidade de contextos de consumo musical”, disse Mohammed Ogaily, vice-presidente da Anghami, a maior plataforma de streaming do mundo árabe, sediada nos Emirados Árabes.

Não queremos que a tecnologia substitua a criatividade humana, mas não temos nenhum problema em que ela seja usada para aprimorar e enriquecer a criatividade.

Harvey Mason Jr., presidente do Grammy

A empresa na qual ele trabalha vem liderando um experimento único, em escala, em nível planetário. Desde meados do ano passado, já subiu mais de 300 mil canções criadas por I.A. e customizadas por seus próprios assinantes. Esse enorme contingente está dividido em playlists de acordo com os “climas” buscados pelos usuários: hora de malhar, festa na praia, música para escutar enquanto se dirige.

Em setembro, uma polêmica veio à tona e obrigou Harvey Mason Jr. a se manifestar em suas redes sociais. Aparentemente, os criadores de uma faixa fake criada por I.A. e imitando a voz do rapper Drake e do cantor The Weeknd estariam reivindicando seu direito a concorrer ao Grammy, baseados na suposta qualidade artística do conteúdo. Uma série de fake news sobre a aceitação da Academia se espalhou, levando Mason Jr. a reafirmar: uma música que imita, sem autorização, os vocais de artistas conhecidos jamais poderá concorrer. “Aqui não tem nada a ver com I.A., embora seja preciso deixar claro: estamos aqui para apoiar e estimular os artistas humanos. A questão é que as vozes não tiveram autorização de uso, são falsas. Uma música assim não é elegível ao prêmio.”

“A música de consumo rápido poderá perfeitamente ser feita por ferramentas automatizadas, deixando os compositores humanos mais livres para trabalhar sua arte no seu próprio tempo”, vaticinou o executivo.

Se pessoas como Ogaily apostam num futuro próximo de criação automatizada em escala industrial, os indícios atuais apontam mais para uma coexistência entre métodos de produção. São cada vez mais os autores que usam ferramentas de I.A. generativa em trechos das suas criações. E eles vêm pedindo que se reconheçam seus direitos autorais e se permita sua participação em prêmios como o Grammy.

De olho nisso, a maior premiação da indústria musical global publicou um guia, em julho, sobre as regras para a inscrição de músicas que tenham a participação de I.A. O ponto básico é: o fator humano sempre será priorizado.

Se um programa de inteligência artificial ou modelagem de voz realizar o vocal principal em uma música, por exemplo, a faixa não pode concorrer a melhor performance, mas sim a melhor composição, caso tenha sido escrita por humanos. O contrário ocorre se a letra e os acordes foram criados por I.A., mas um intérprete humano a executa.

“Desde que um ser humano participe minimamente da criação daquela música, ele é elegível para concorrer ao prêmio”, resumiu Harvey Mason Jr., presidente da Academia da Gravação, responsável pelo Grammy. “Não queremos que a tecnologia substitua a criatividade humana, mas não temos nenhum problema em que ela seja usada para aprimorar e enriquecer a criatividade.”

No Congresso americano, entidades como a Ascap e outros representantes dos autores fazem pressão sobre os parlamentares para que mudanças legais deixem clara a priorização dos criadores humanos, inclusive sobre partes de suas obras criadas por I.A.

“Não somos antitecnologia nem anti-inteligência artificial”, esclareceu Nick Lehman, vice-presidente da Ascap. “A I.A. pode definitivamente contribuir para ajudar a indústria, pode ser uma ferramenta conveniente para a inovação em termos de criatividade.”

Nosso objetivo não é barrar a I.A. ou impedir seu desenvolvimento, mas torná-la mais virtuosa e transparente.

Cécile Rap-Veber, diretora-executiva da francesa Sacem

Para ele, não será fácil determinar qual o percentual mínimo de criação humana - ou máximo de criação robótica - que uma obra poderá ter para que o compositor possa reivindicar totalmente seu copyright. Mas, como insistiu, o debate é necessário e deve envolver o Legislativo e o Judiciário.

Além disso, diferentes entidades que representam os compositores pedem que a Lei passe a prever sem ambiguidades que qualquer mineração ou varredura de canções criadas por humanos para treinar as ferramentas de criação por I.A. requeiram licenças e autorizações prévias. Um debate que já levou a mais antiga sociedade de gestão coletiva musical do mundo, a francesa Sacem, a se antecipar e anunciar que perseguirá as empresas criadoras de softwares de I.A. generativa que fazem varreduras sem licença de conteúdos protegidos.

“A Sacem quer estabelecer um equilíbrio sustentável e restaurar o direito exclusivo dos autores a pré-autorizar a mineração de seus dados. (Essas varreduras) só poderão ser feitas mediante autorização da Sacem, que expressamente negociará as condições de uso”, afirmou a entidade num comunicado.

“Nosso objetivo não é barrar a I.A. ou impedir seu desenvolvimento, mas torná-la mais virtuosa e transparente”, afirmou Cécile Rap-Veber, diretora-executiva da Sacem, lembrando um ponto que, para ela e tantos compositores ao redor do mundo continua a ser inegociável: “Os trabalhos criativos dos nossos membros simplesmente não podem ser usados sem o seu consentimento."

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