por_Alessandro Soler •
A palavra é a base. Mas são os números que ajudam a traduzir bem o tamanho das conquistas. Há quase 30 anos criando canções para crianças de forma inteligente e educativa, a Palavra Cantada coleciona troféus (seis) do Prêmio da Música Brasileira, lançou 16 discos (com mais de 400 canções criadas), além de 10 DVDs e sete livros. Reúne mais de 2 bilhões de visualizações de seus vídeos no YouTube e arrastou, nestas três décadas, mais de 10 milhões de crianças e adultos aos seus shows por virtualmente todo o Brasil.
Sentar-se sobre tantos e evidentes louros? Isto não é com Sandra Peres e Paulo Tatit, os compositores e músicos que criaram o projeto e o lideram desde então — tendo a importante contribuição de Luiz e Zé Tatit, irmãos de Paulo, como ele conta em entrevista com a Revista UBC para esta edição de outubro, mês da criança.
Ano que vem serão já 30 anos de existência da Palavra. O que mudou, essencialmente, no jeito de “conversar” com as crianças nesta era digital em relação àquele início analógico? Se é que mudou tanto...
PAULO TATIT: Mudou muito. Quando começamos, estávamos na era do CD, que é um suporte para música, sem imagens. Depois veio o DVD, que pressupõe que algumas canções ganhariam clipes e poderiam ser vistas em determinada ocasiões em que os pais ou professores colocariam para as crianças. A partir de 2007, mais ou menos, os CDs começaram a entrar num declínio e foram substituídos pelo YouTube. Desde então, uma música depende de um clipe para existir. Se não tiver um clipe com imagens para ela, simplesmente não existe. Agora, se pensarmos no crescimento de uma criança, isso de a canção ter uma sequencia de imagens atrelada a ela é muito ruim para o desenvolvimento da imaginação. Mas fomos obrigados a entrar na onda. Até hoje temos dezenas de canções sem clipes, pois tudo custa muito e não queremos fazer qualquer coisa, rapidinha, para as crianças.
Três décadas também são tempo suficiente para já alcançar os filhos de algumas daquelas crianças que os acompanharam lá no início. Que sensação isso traz?
Para mim, traz uma sensação de que nosso trabalho, nossas canções, têm uma permanência nas famílias e, portanto, na cultura do nosso país, o que nos agrada muito.
Logo teremos mais 10 clipes nas plataformas, pois acabamos de gravar um novo álbum com 14 canções inéditas.”
Os temas sobre os quais vocês falam aos pequenos mudaram muito ao longo destes anos?
Os temas não mudaram muito pois, apesar de toda a transformação dos nossos tempos, as coisas fundamentais das crianças continuam: o carinho da família, o carinho por todos os mamíferos, os gestos energéticos, o humor, a empatia entre as crianças que brincam juntas, as brincadeiras de roda, o desenvolvimento das várias idades, a histórias fantásticas, as histórias que dão medo, enfim… Mas a Palavra Cantada introduz uma maneira mais contemporânea de lidar com esses e outros temas mais sutis, como por exemplo a criança que é diferente em ‘Menina Moleca’, a criança obrigada a trabalhar, como em ‘Criança Não Trabalha’…
As empresas de streaming e as plataformas musicais pagam muito mal para os autores. A gente ganhava bem mais com os CDs e DVDs.”
Paulo TatitO que ainda falta dizer? Há algum tema que ainda não abordaram, por ser difícil ou espinhoso, e que pensam em fazê-lo?
Durante a última década, a gente foi percebendo que o cerne do nosso público são crianças pequenas, que vão de bebês até 5 anos. Este é o público que mais nos assiste, tanto em show quanto no YouTube. E para esse público acho que já falamos de quase tudo. Não sei dizer o que falta explorar. Particularmente, me concentro mais no tratamento musical, na linguagem, do que no sentido dos temas. Mas lembro agora que acabamos de lançar uma canção chamada ‘Quer Muitas Coisas’, com melodia minha e letra do Arnaldo Antunes, e que discorre sobre a criança hiperativa. Não deixa de ser um tema novo na nossa trajetória.
O processo criativo atual como é? Vocês dividem estritamente as tarefas (um fica com as letras, outro com a melodia), debatem tudo sempre em dupla? Como é que é o modus operandi de vocês?
A Palavra Cantada tem dois parceiros que se tornaram mais ativos no decorrer dos anos. São os meus irmãos Luiz e Zé Tatit. O processo mais comum é que eu e Sandra façamos as melodias e um dos "mano" coloque a letra. Sandra costuma enviar a canção ao Luiz, e eu costumo sentar-me com o Zé até sair alguma coisa. Na hora de gravar pra valer, chamamos um produtor musical que nos auxilia a extrair o melhor de cada canção. Esse é o modus operandi mais comum.
Às vezes, faço letra e música sozinho. E, muitas vezes, faço a parte musical junto com a Sandra.
Pela sólida base de vídeos acumulados no YouTube de vocês (528 no total), já não há tanta urgência em soltar coisas novas como antes, não? Qual tem sido a frequência de criação de novos vídeos/temas de conversa?
Nós queremos muito aumentar o número de lançamentos dos clipes, pois consideramos muito pouco: uns 4 ou 5 por ano. Perto da quantidade de canções que temos, umas 440, isso é bem pouco. Mas já estamos quase resolvendo essa discrepância. Logo teremos mais 10 clipes nas plataformas, pois acabamos de gravar um novo álbum com 14 canções inéditas.
O Coral Palavra Cantada (que reúne dezenas de crianças a cada ano) é uma das vertentes em que se subdividiu o projeto. Como surgiu a ideia de criá-lo?
A idéia do coral surgiu num impulso que tive em 2011, se não me engano. Nem me lembro o que me levou a essa ideia, mas o que vale é que nosso coral é uma experiência maravilhosa para as crianças. Elas amam o ambiente, as amizades, o fato de cantarem juntas… é lindo!
2 bilhões de views, 10 milhões de crianças nos shows, dezenas de álbuns/CDs/livros lançados, um montão de prêmios. Tantos números superlativos se traduzem também em boas receitas?
Nós não temos muita sorte com isso no Brasil. Quando estávamos começando a ganhar bem com os CDs, eles passaram a ser copiados e até pirateados. Depois, quando começamos com o DVD, também foram desaparecendo e dando lugar ao streaming. Depois, já na era do YouTube, estávamos ganhando superbem, mas veio uma regulamentação sobre publicidade (em conteúdos para crianças) e mais a obrigação de nos encaixarmos no YouTube Kids, e isso tudo acabou com a nossa alegria. Eu acho que as empresas de streaming e as plataformas musicais pagam muito mal para os autores. A gente ganhava bem mais com os CDs e DVDs. •